segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Procurador diz que Sociedade precisa ajudar no combate à corrupção

O procurador regional da República Fábio George Cruz da Nóbrega, idealizador do Fórum Paraibano de Combate à Corrupção (Focco), em entrevista à Procuradoria Regional da República da 3ª Região, fala da importância de uma atuação coordenada dos setores no combate à corrupção e destaca o papel fiscalizador da sociedade civil organizada.

Em maio de 2005, Fábio George, então procurador-chefe da Procuradoria da República na Paraíba, presidiu a primeira reunião do Focco, tendo sido o primeiro coordenador do movimento no Estado, até ser promovido a procurador regional da República, quando passou a atuar na Procuradoria Regional da República da 5ª Região, em Recife (PE).

Após quatro anos, 20 Estados já possuem iniciativas similares, com base no pioneirismo da Paraíba.Para Fábio George, a comemoração do Dia Internacional do Combate à Corrupção no Brasil é relevante porque é sempre bom lembrar, pelo menos uma vez ao ano, o que está sendo feito no País para combater a corrupção, bem como saber quais avanços estão sendo obtidos.

Quais crimes estão diretamente ou indiretamente relacionados à corrupção? Como eles são combatidos atualmente?

Fábio George Cruz da Nóbrega - Quando falamos em corrupção em nosso País, já que esse conceito é realmente muito aberto, as pessoas se lembram mais de duas coisas: de um lado o desvio de recursos públicos, que é bastante significativo e configura o crime de peculato, e de outro lado os crimes de corrupção ativa e corrupção passiva, ou seja, oferecer vantagem ou receber vantagem para que algum ato ilegal seja praticado na área do serviço público. Então são três crimes que mais são identificados com essas práticas corruptas em nosso País. Sobre o combate, houve uma melhora significativa, nos últimos anos, no que diz respeito aos órgãos responsáveis pela apuração e repressão. Posso citar a Controladoria Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Receita Federal, a Polícia Federal, dentre outros. Não há dúvida de que esses órgãos avançaram muito em seu papel de investigar, apurar e combater essas práticas. Houve uma atuação também mais coordenada e organizada, e portanto mais efetiva, por parte do Ministério Público, que cada vez mais consegue responsabilizar mais rapidamente aqueles que malversam recursos públicos.

O senhor poderia falar sobre os fóruns de combate à corrupção dos quais participou?

FGCN - Esses fóruns se espalham na região Nordeste e no País como um todo há mais de cinco anos. Já são 20 os Estados que possuem iniciativas similares e a Paraíba foi pioneira nisso. Foram criados com a proposta, de viabilizar, no nível dos estados, uma ação coordenada que reunisse as ações do poder público e da sociedade civil organizada nessa área, através, por exemplo, de campanhas publicitárias, mostrando que a corrupção é muito grave e é preciso o apoio da sociedade civil para fiscalizar a aplicação de recursos públicos. Nós visitamos os municípios do interior, capacitando agentes públicos e sociais para exercer esse papel de fiscal da aplicação do dinheiro público. Também foi criado um disque-denúncia para denunciar essas irregularidades. Quer dizer, são ações que estão sendo realizadas com o intuito de apresentar, pela união de forças, uma resposta mais efetiva para esse mal.

Como está está estruturado o combate à corrupção no País, em especial no interior?

FGCN -No interior do país, de forma realmente incipiente e precária. A título de exemplo, a grande maioria dos municípios do Norte e Nordeste praticamente não arrecadam, eles vivem de recursos que são repassados pela União, para obras e programas essenciais. A União repassa esses recursos, mas não tem uma estrutura condizente e adequada para fiscalizar a aplicação deles. A grande maioria dos municípios que recebe esses recursos também não têm órgãos de controle interno que possam fazer com que esse dinheiro seja melhor empregado. Por exemplo, a Paraíba tem 223 municípios e só 12 municípios têm sistema de controle interno. Também o controle social e o Poder Legislativo local não funcionam adequadamente.Então, diante disso, e levando em consideração que os órgãos de controle só se localizam nas capitais e nos municípios maiores, não temos dúvida alguma em afirmar que em 90% dos municípios das regiões Norte e Nordeste o dinheiro é repassado e ninguém acompanha o que é que está sendo feito com ele. Então, esse quadro propicia, de forma demasiada, a malversação do dinheiro público, e dados mais recentes da Controladoria-Geral da União mostram que no mínimo 25% dos recursos de saúde e educação repassados aos municípios das regiões Norte e Nordeste são desviados das suas finalidades essenciais.

É possível identificar quem são os principais corruptores e corrompidos dentro do sistema social brasileiro? Seriam os políticos esses corruptores?

FGCN -A prática do dia-a-dia demonstra de maneira muito clara que boa parte da classe política participa desse processo, e esses recursos são desviados ora para o enriquecimento desses agentes públicos, ora para o financiamento de suas campanhas eleitorais. Também não há como ter esquemas de desvios de recurso se você não contar com a participação de empresários, que acabam financiando, na maioria das vezes, as campanhas eleitorais dos políticos e, quando estes são eleitos, as empresas acabam sendo beneficiadas com obras, serviços e compras dirigidas, sem que ocorra, portanto, a realização de licitações regulares, certamente como compensação pela contribuição dada na campanha.

É possível depositar no Judiciário uma esperança no combate à corrupção?

FGCN -Com o nosso atual sistema judicial, não vejo nenhuma condição do Judiciário participar de maneira efetiva desse processo de depuração no Brasil. Uma Justiça que demora de 10 a 12 anos para punir aqueles que malversam recursos públicos, como em geral, aqueles que praticam crimes, não pode se reconhecer como partícipe do processo de depuração das condutas ilícitas em nosso País. Segundo pesquisa da AMB, 85% dos próprios Juízes destacam a morosidade judicial como o principal fator de impunidade no Brasil. Diante desse quadro, o próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os membros do Poder Judiciário em geral têm discutido sobre o que é preciso ser feito para termos um horizonte de melhoras pela frente. Creio que, dentro de alguns anos, com um sistema judicial mais rápido e eficiente, com previsão de um número menor de recursos, com a simplificação dos atos processuais, com um número menor de instâncias de julgamento, nós possamos realmente vir a ter o Poder Judiciário como parceiro fundamental desse processo de punição dos maus gestores.

Há uma discussão de que essa associação de casos de corrupção que aparecem frequentemente na mídia se deve a uma maior transparência e a um maior combate a esse crime. Outros afirmam que é apenas um aumento do número de casos. Como o senhor vê isso?

FGCN -Não há dúvida de que a transparência hoje em dia é bem maior. Atualmente, temos portais, não só na área da União, mas também nos Estados, que disponibilizam para todos que tiverem acesso à internet os gastos e receitas dos entes públicos. O Brasil ganhou recentemente um reconhecimento internacional na área da transparência dos recursos públicos, sendo indicado como o oitavo país mais transparente do mundo. Então, esse é um avanço significativo. A transparência ainda não chegou, infelizmente, nos entes públicos menores, ou seja, nos municípios. Não há dúvida também de que temos hoje uma imprensa muito mais livre do que antes, muito mais isenta, que realmente investiga e contribui decisivamente para que esses fatos venham à tona e, portanto, não restem encobertos como antes.

Existe uma vontade política no combate à corrupção e há um respaldo popular nesse sentido? Ou a sociedade tem sido tomada por uma certa apatia e uma falta de mobilização?

FGCN -Está faltando vontade política para aprovar as reformas essenciais que o País precisa. A começar por uma ampla reforma política e do sistema judicial. Também é necessária uma reforma eleitoral, que melhore o disciplinamento das eleições, traga o financiamento público de campanhas, cobre a fidelidade partidária e reduza o número de partidos. A aprovação do projeto ficha limpa é de suma importância, para impedir que políticos que se encontram sendo processados ou já foram condenados voltem a concorrer na cena eleitoral. O papel da sociedade nesse processo, infelizmente, ainda é de crítica passiva. Nossa sociedade repudia esses escândalos, grita, reclama, mas não tem uma atuação efetiva, não exerce uma pressão legítima, para que esse quadro possa se modificar. Uma pesquisa realizada em 2008 apontou que 73% dos brasileiros não participam de qualquer tipo de associação humana de caráter político ou social. Eu não estou falando só de partidos políticos, eu estou falando de sindicatos, organizações não-governamentais, grupos de jovens, associações de moradores, de pais e mestres, de grupos de estudantes. E uma outra pesquisa recente indicou que cerca de 40% dos eleitores só votam porque é obrigatório. Quer dizer, nós temos uma sociedade que faz uma crítica contundente à classe política, mas que se nega a ir adiante, a participar de maneira efetiva no processo de construção de um novo país. E esse quadro de apatia é muito grave e precisa ser modificado. Por fim, temos uma sociedade que condena a corrupção na área política mas que comete, em grande parte, em seu dia-a-dia, atos que violam os princípios da honestidade e da ética. Portanto, é por omissão ou conivência que a nossa sociedade acaba participando desse processo, fazendo com que haja uma grande tolerância com a prática de atos desonestos na vida pública nacional.

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