quarta-feira, 25 de março de 2009

O POETA DA FELIZARDO LEITE

O que dizer de um morto? Como encontrar palavras para explicar o que circunstancialmente ainda é o maior de todos os mistérios? Digo no ouvido de Virgílio, inerte, com semblante dele mesmo, repousado, aliviado.... que ele foi uma trindade: amizade, família, trabalho. E peço que ignorem o trocadilho, simples condição do que é emotivo. Às tardes de quaisquer dias; a mesma cadeira; o escritório da Felizardo leite; o mesmo trajeto; os mesmos vícios; flores e espinhos; a rádio Espinharas; as crônicas... Timbre pausado, manso; razão e sensibilidade; convicções fortes. Virgílio Trindade foi a hóstia do jornalismo, feito exemplo a ser seguido. Tombado. Um legado inestimável de respeitabilidade e isenção. E agora é notícia. Virgílio foi partitura, foi bola, foi giz e lousa, foi voz, foi povo... e Virgílio ainda é exemplo de tudo que ele próprio construiu. Uniu. Já fui entrevistado e também entrevistador de Virgílio Trindade - Certa vez, conclui a minha fala, inocentemente, com um "lamentável": - "infelizmente o nosso tempo acabou". E o professor, sabiamente, corrigiu-me: - Nunca diga: "infelizmente" - Diga, sim: "Felizmente que acabou". A morte nunca considera a vida; apenas a redime. É como uma pergunta sem resposta. Porém, ensina Lutero: "A alma pode prescindir de tudo, exceto da palavra de Deus. Então, por causa desta fé todos os pecados serão perdoados e terás conquistado a liberdade. Ora, estas palavras de Deus são Santas, verdadeiras, justas, pacíficas, livres e repletas de absoluta bondade - A alma daqueles que a elas se apega com uma verdadeira fé será unida a Ele de forma tão completa que todas as virtudes da palavra se tornarão também, as própria virtudes da alma". Virgílio não teve medo da vida. Foi de uma lucidez invejável. E volto a falar numa outro trindade: Maria José, Eli e Roberta. - Amores, não! O pão de cada dia. Virgílio se foi primeiro. Ele não se agüentaria "partido". Seria mais que uma dor. Como citara Ernani Sátyro no romance "Mariana": "A morte não dói; o que dói é esse resto de vida". À cada segundo um milagre, uma transformação, uma renovação, uma esperança, uma continuidade. A certeza de que Virgílio Trindade "andou e respirou nesta terra" e que não foi apenas espasmo criador, mas alguém de virtudes - qualidades essenciais para um homem de bem. Que no trajeto de volta à vida mundana possamos refletir sobre a condição humana. O que haveremos de deixar como exemplo? Virgílio foi em vida o que quis. Perseguiu os sonhos de menino desde o Piancó - E foi árvore: frondosa, frutífera, quase septuagenário. Como o tamarindo do bardo paraibano Augusto dos Anjos: "Quando paparem todos os relógios de minha vida; e a voz dos necrológios gritar nos noticiários que eu morri; voltando á pátria da homogeneidade, abraçada com a própria eternidade a minha sombra há de ficar aqui". Velho amigo Virgílio Trindade de todos - Sementeira de gerações vindouras. Palavras, de que valem? Valemo-nos das graças de Deus. O corpo de Virgílio Trindade será trasladado pelo calendário litúrgico na quaresma de março do ano de 2009. E baixará à sepultura para ser confinado eternamente - porque é assim que está escrito. E quando o último vivente deixar o local funéreo - Deus agirá. Um sopro de ar frio percorrerá a avenida de todas as vidas - e o tempo e o espaço deixarão de existir - uma cruz irá selar o destino de quem morreu na honradez da história. No fim, tudo é propriedade de Deus.

Misael Nóbrega - jornalista

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